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A mulher gonçalense na política

A mulher gonçalense na política

É sabido por todos que a participação feminina na política brasileira é tímida e desproporcional à importância da mulher na sociedade. Hoje, elas representam cerca de 51% da população, mas sua representação no parlamento nacional é de apenas 9%, uma das várias disparidades do nosso processo político antiquado. Para se ter uma ideia, nosso país fica atrás da média dos países da América, que é de 21%, e da média mundial, que é de 18%. Incrivelmente, ficamos atrás até mesmo da média dos países árabes, que é de 10%. Uma contradição gigantesca para uma nação que possui como chefe de estado uma mulher. [1] Não podemos deixar de mencionar que essa desproporção é causada por uma série de fatores intimamente ligados às questões culturais, apesar dos grandes esforços a partir da década de 1990 para adoção de políticas de cotas em vários países da América Latina.

A lei federal 9.504/, de 30 de setembro de 1997, em seu artigo 10°, §3°, afirma que “do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”. [2] A lei parece muito clara não é mesmo? Mas há, por diversos juízes eleitorais um entendimento diferenciado sobre a redação da lei. Segundo essa determinada visão, a lei não determina uma quantidade mínima para mulheres, mas sim uma quantidade máxima para homens. Não entendeu? Vamos esmiuçar:

Cada partido sem coligação tem o direito de montar uma nominata para o legislativo de até 150% das vagas em disputa, ou seja, aqui em São Gonçalo, nossa Câmara possui 27 vereadores, sendo assim, cada partido sem coligação poderá lançar até 41 nomes. Já as coligações podem lançar uma lista de até 2x as vagas em disputa, ou seja, 54 candidatos. Aqui entra a interpretação: De acordo com esses juristas, no caso de 41 candidatos, poderá haver no máximo, 29 homens, pois representa 70% das vagas. No caso de 54 candidatos, poderá haver 38 homens, independente do número de mulheres. Dentro dessa regra, nas últimas eleições em 2012, todos os partidos e coligações cumpriram a lei. Mas isso traz sérias distorções para o processo.

Em 2012, tivemos 678 candidatos à vereador em São Gonçalo. Destes, 491 eram homens e 189 mulheres. Ou seja, 27,9% de mulheres, abaixo dos 30% exigidos em lei. Dos 17 partidos ou coligações que disputaram a eleição, 9 deles não atingiram a marca de 30% de mulheres em sua nominata. O que significa que mais da metade dos partidos e coligações descumpriram a lei eleitoral. PSC, PSB e PHS foram, nesta ordem, os partidos com o menor percentual de mulheres. O curioso é que o PSC trouxe apenas uma candidatura feminina para a disputa, porém, como não ultrapassou a marca de 29 homens, não teve seu registro indeferido.

Segundo resolução do TSE, em caso de não observância da condição de registrabilidade geral e compulsória, o Juiz Eleitoral dará ao Partido 72 horas de prazo para adequá-la, com inclusão ou retirada de candidatos, não realizada a adequação ao percentual de candidaturas de cada sexo, haverá a recusa de registro de toda a lista de candidatos a eleição proporcional.. [3] Caso a recusa do registro não ocorra, qualquer candidato, partido ou coligação poderá solicitar uma Ação de Impugnação de Registro de Candidatura – AIRC.

Como a cara de pau na política é grande, há algumas maneiras de burlar a legislação, sendo a principal delas a utilização de candidaturas laranjas somente para o cumprimento formal da lei. Assim, o partido cumpre os 30% das vagas para mulheres, sem que elas recebem qualquer apoio financeiro partidário, o que resulta numa quantidade de votos irrisória. Onze partidos ou coligações utilizaram esta artimanha para passarem desapercebidos pela lei. PSB, PSD, DEM e PSOL foram os partidos com maior proporção de candidaturas laranjas, todos acima dos 50%. Um verdadeiro desrespeito à lei e a posição da mulher na sociedade.

Porém, provado que a estratégia foi fazer a reserva mínima de percentual de candidaturas para cada sexo, apenas formalmente, estará caracterizada fraude eleitoral e poderá ser solicitada uma Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME.

Essa fraude eleitoral foi muito bem utilizada pelos partidos em nossa cidade. Os principais partidos beneficiados com essa fraude foram o PRP, o PSB e PSOL, que obtiveram cerca de 30% de seus votos através desse mecanismo fraudulento. Se considerarmos todos os partidos e coligações, 6,6% dos votos válidos foram conseguidos à margem da lei, o que representa quase 29 mil votos.

Tais mecanismos foram diretamente fundamentais para o resultado final das eleições, chegando ao ponto de termos 2 nomes diferentes na casa legislativa. Caso a lei fosse respeitada, o PSB elegeria apenas 1 vereador, ou seja, Russo da Marmoraria não seria eleito. Já o PSD não teria eleito nenhum vereador, ou seja, Marco Rodrigues, um dos principais opositores ao governo Mulim não estaria presente no parlamento municipal. Em contrapartida, PSDB e PPS elegeriam 2 vereadores cada, sendo beneficiados os candidatos Bruno Porto e Ricardo Peon.

Importante ressaltar que tais ponderações foram feitas de acordo com todos dados disponíveis pelo TSE acerca da eleição municipal de 2012. Esses dados confirmam as conclusões que afirmam que há uma resistência também por parte das mulheres em se candidatarem, gerada pela resistência dos partidos políticos em darem suporte às candidaturas femininas.

Ao pensarmos em uma nova cultura política, precisamos ter em mente esses números e práticas que unificam todos os partidos, de direita à esquerda, e que precisam ser reformuladas pelos novos tempos políticos que vivemos. A mulher precisa ter seu protagonismo assegurado pelas instâncias, cabendo à justiça penalizar aqueles que não cumprirem a lei, e à sociedade em geral pela fiscalização de tais atos, punindo nas urnas os partidos que insistem em práticas tão arcaicas.

Fontes

[1] http://www.bbc.com/portuguese/reporterbbc/story/2008/03/080305_mulheresparlamentorw.shtm

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9504.htm

[3] Resolução nº 23.373/2011. Instrução n. 1450-86.2011.6.00.0000 – Classe 19 – Brasília – Distrito Federal

Matheus Guimarães
Matheus Guimarães
Matheus Guimarães é formado em Produção Cultural. Licenciando em História, está se preparando para ser um futuro professor.

É sabido por todos que a participação feminina na política brasileira é tímida e desproporcional à importância da mulher na sociedade. Hoje, elas representam cerca de 51% da população, mas sua representação no parlamento nacional é de apenas 9%, uma das várias disparidades do nosso processo político antiquado. Para se ter uma ideia, nosso país fica atrás da média dos países da América, que é de 21%, e da média mundial, que é de 18%. Incrivelmente, ficamos atrás até mesmo da média dos países árabes, que é de 10%. Uma contradição gigantesca para uma nação que possui como chefe de estado uma mulher. [1] Não podemos deixar de mencionar que essa desproporção é causada por uma série de fatores intimamente ligados às questões culturais, apesar dos grandes esforços a partir da década de 1990 para adoção de políticas de cotas em vários países da América Latina.

A lei federal 9.504/, de 30 de setembro de 1997, em seu artigo 10°, §3°, afirma que “do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”. [2] A lei parece muito clara não é mesmo? Mas há, por diversos juízes eleitorais um entendimento diferenciado sobre a redação da lei. Segundo essa determinada visão, a lei não determina uma quantidade mínima para mulheres, mas sim uma quantidade máxima para homens. Não entendeu? Vamos esmiuçar:

Cada partido sem coligação tem o direito de montar uma nominata para o legislativo de até 150% das vagas em disputa, ou seja, aqui em São Gonçalo, nossa Câmara possui 27 vereadores, sendo assim, cada partido sem coligação poderá lançar até 41 nomes. Já as coligações podem lançar uma lista de até 2x as vagas em disputa, ou seja, 54 candidatos. Aqui entra a interpretação: De acordo com esses juristas, no caso de 41 candidatos, poderá haver no máximo, 29 homens, pois representa 70% das vagas. No caso de 54 candidatos, poderá haver 38 homens, independente do número de mulheres. Dentro dessa regra, nas últimas eleições em 2012, todos os partidos e coligações cumpriram a lei. Mas isso traz sérias distorções para o processo.

Em 2012, tivemos 678 candidatos à vereador em São Gonçalo. Destes, 491 eram homens e 189 mulheres. Ou seja, 27,9% de mulheres, abaixo dos 30% exigidos em lei. Dos 17 partidos ou coligações que disputaram a eleição, 9 deles não atingiram a marca de 30% de mulheres em sua nominata. O que significa que mais da metade dos partidos e coligações descumpriram a lei eleitoral. PSC, PSB e PHS foram, nesta ordem, os partidos com o menor percentual de mulheres. O curioso é que o PSC trouxe apenas uma candidatura feminina para a disputa, porém, como não ultrapassou a marca de 29 homens, não teve seu registro indeferido.

Segundo resolução do TSE, em caso de não observância da condição de registrabilidade geral e compulsória, o Juiz Eleitoral dará ao Partido 72 horas de prazo para adequá-la, com inclusão ou retirada de candidatos, não realizada a adequação ao percentual de candidaturas de cada sexo, haverá a recusa de registro de toda a lista de candidatos a eleição proporcional.. [3] Caso a recusa do registro não ocorra, qualquer candidato, partido ou coligação poderá solicitar uma Ação de Impugnação de Registro de Candidatura – AIRC.

Como a cara de pau na política é grande, há algumas maneiras de burlar a legislação, sendo a principal delas a utilização de candidaturas laranjas somente para o cumprimento formal da lei. Assim, o partido cumpre os 30% das vagas para mulheres, sem que elas recebem qualquer apoio financeiro partidário, o que resulta numa quantidade de votos irrisória. Onze partidos ou coligações utilizaram esta artimanha para passarem desapercebidos pela lei. PSB, PSD, DEM e PSOL foram os partidos com maior proporção de candidaturas laranjas, todos acima dos 50%. Um verdadeiro desrespeito à lei e a posição da mulher na sociedade.

Porém, provado que a estratégia foi fazer a reserva mínima de percentual de candidaturas para cada sexo, apenas formalmente, estará caracterizada fraude eleitoral e poderá ser solicitada uma Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME.

Essa fraude eleitoral foi muito bem utilizada pelos partidos em nossa cidade. Os principais partidos beneficiados com essa fraude foram o PRP, o PSB e PSOL, que obtiveram cerca de 30% de seus votos através desse mecanismo fraudulento. Se considerarmos todos os partidos e coligações, 6,6% dos votos válidos foram conseguidos à margem da lei, o que representa quase 29 mil votos.

Tais mecanismos foram diretamente fundamentais para o resultado final das eleições, chegando ao ponto de termos 2 nomes diferentes na casa legislativa. Caso a lei fosse respeitada, o PSB elegeria apenas 1 vereador, ou seja, Russo da Marmoraria não seria eleito. Já o PSD não teria eleito nenhum vereador, ou seja, Marco Rodrigues, um dos principais opositores ao governo Mulim não estaria presente no parlamento municipal. Em contrapartida, PSDB e PPS elegeriam 2 vereadores cada, sendo beneficiados os candidatos Bruno Porto e Ricardo Peon.

Importante ressaltar que tais ponderações foram feitas de acordo com todos dados disponíveis pelo TSE acerca da eleição municipal de 2012. Esses dados confirmam as conclusões que afirmam que há uma resistência também por parte das mulheres em se candidatarem, gerada pela resistência dos partidos políticos em darem suporte às candidaturas femininas.

Ao pensarmos em uma nova cultura política, precisamos ter em mente esses números e práticas que unificam todos os partidos, de direita à esquerda, e que precisam ser reformuladas pelos novos tempos políticos que vivemos. A mulher precisa ter seu protagonismo assegurado pelas instâncias, cabendo à justiça penalizar aqueles que não cumprirem a lei, e à sociedade em geral pela fiscalização de tais atos, punindo nas urnas os partidos que insistem em práticas tão arcaicas.

Fontes

[1] http://www.bbc.com/portuguese/reporterbbc/story/2008/03/080305_mulheresparlamentorw.shtm

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9504.htm

[3] Resolução nº 23.373/2011. Instrução n. 1450-86.2011.6.00.0000 – Classe 19 – Brasília – Distrito Federal

Matheus Guimarães
Matheus Guimarães
Matheus Guimarães é formado em Produção Cultural. Licenciando em História, está se preparando para ser um futuro professor.

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