Entre o caos nacional e estadual, ainda há quem lute pela CIDADE?

Salve a cidade, salve o mundo: Entre o caos nacional, o pandemônio estadual e a crise ontológica, ainda haverá quem lute por São Gonçalo?

Baía de Guanabara vista pela Ilha das Flores, no Leste Fluminense.
Baía de Guanabara vista pela Ilha das Flores, no Leste Fluminense. Foto: Matheus Graciano / SIM São Gonçalo

Antes de começar a desfiar o rosário rústico de desgraças cotidianas, devo avisar: não me venham com esse papo de “tempos difíceis”. Não vi tempo fácil desde que cheguei — há 41 anos — e agradeço pela vida não ter me dado mole para que eu não fosse mais um tolo. Como diz o poeta, “pra quem aprendeu a nadar na lama / água é veículo e velocidade”.

Roma arde. Você pode torcer para o partido que quiser (até para o seu próprio coração partido), canonizar santos de barro e escalar seus bandidos de estimação, não importa. Só não pode negar que nossx Capital arde, e o cheiro dos fumos é de dinheiro e esperanças queimadas. Capitalistas selvagens titânicos abocanham mais do que podem morder, e as cifras que o jornal vomita são fabulosas até para os ricos. Fico intimidado ouvindo milhões pra cá, milhões pra lá, enquanto não consigo quitar nem o carnê do carrinho mil cilindradas que me leva pro trabalho (o mais triste dos romances, com apenas 60 páginas). Ninguém representa ninguém, quem cruza o maroto Rubicão artifical do Planalto Central e enverga um terno se torna ronin, samurai cujo único mestre é o próprio umbigo.

No cenário estadual a coisa não melhora muito. Um chefe de quadrilha renomado e conhecido finalmente é preso por seus constantes saques ao erário — consequentemente ao bolso dos cidadãos — porém deixa seu filhote maldito na cadeira de governador. Como uma encosta na chuva de janeiro, a autarquia estadual se esboroa a olhos vistos, e no caminho de destruição leva direitos, empregos, investimentos e vidas, muitas vidas. Mais uma vez com a anuência de outros meliantes enfatiotados em seus fatos, líderes comunitários, milicianos e religiosos eleitos por seus rebanhos e babando nas gravatas.

Ao mesmo tempo, os usual suspects campeiam ao largo: machismo, racismo, criminalização da pobreza, estupidez, ameaça esquizofrênica de intervenção militar (VOCÊS NÃO ESTUDARAM HISTÓRIA NÃO, CARALHO?!), Trump, apropriação cultural, Muralha titular. Dói, dói sim. Mas e a cidade? Haverá tempo para se lutar por nossa cidade no meio desse furdunço?

“Fora Temer”, “Fora Pezão”, “Fora Trump” são importantes sim, amiguinhos, mas e a caixa preta do governo de Neilton Mulim, quem vai abrir? A gente fica perdido debatendo em redes sociais questões de alta complexidade filosófica, mas não se incomoda com o teatro minicipal fechado (SEMPRE FUI CONTRA, mas depois de construído, pago e repago, por que a população não pode usufruir?). Vejo gente discutindo se branco pode ou não usar turbante (como se alguém fosse branco), ou ainda se é legítima a presença de negros no clipe da Malu Camelo (e quem ouve essa menina, gente?), mas que não cria espaços na cidade onde as demandas possam ser explanadas e minimizadas. A cidade, letárgica, está aprisionada em um calendário de 1990 colado na parede, e brinca de corrida de curupira. Os vereadores se digladiam por seus cargos de indicação (“leitinho do gato”, disse um), e o rebanho assiste a tudo passivamente, mirando aves de arribação no horizonte enquanto tico-ticos bicam o fubá de seus pratos.

Mas não é só a miopia política não, nem esperar que o poder público cumpra seu papel. Cadê as iniciativas populares? Onde está a infantaria? Vamos ficar vaiando Doria e seu casaquinho amarrado no pescoço até quando? A gente perde um tempo danado brigando pela subjetividade alheia, enquanto nosso imaginário local se empobrece mais e mais. A briga é AQUI, o tempo é ONTEM. É preciso que alguns levantem os cornos para fora e acima da manada. CRIAR alternativas para São Gonçalo, PENSAR e REALIZAR ações que limpem o rio de nossa aldeia (que é maior do que o Tejo, maior do que o mundo) e ver novamente os barquinhos de papel descendo a corredeira, para o deleite daqueles que ainda querem mudar a cidade — e não se mudarem dela. Entre o caos nacional, o pandemônio estadual e a crise ontológica, é preciso que alguém ainda lute pela CIDADE.

Senão — acreditem — a terra do São Miguel não nos será leve.

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