A saúde da cidade é debilitada. Sabemos disso. Mas, veja: quando digo “saúde”, falo de tudo. Da comida às unidades de atendimento. Do saneamento básico escasso ao tempo perdido mofando no transporte. Da violência do tráfico de drogas, que nos deixa paranóicos, às praias podres, que de tão poluídas restam poucas para entrar. Porém, quem liga para isso? “Povão gosta mesmo é de hospital”. É isso mesmo?
A frase título desse post foi dita por uma dessas “lendas urbanas” conhecidas como “vampiros gonçalenses”. São homens e mulheres que, entra governo, sai governo, continuam lá. Às vezes como secretários de saúde, outras como subsecretários, chefes de equipe, funcionários “bate-ponto”, não importa. O que interessa é a manutenção de seus carguinhos lá na prefeitura, sempre à espera do próximo governo que vão vampirizar. Para eles, como para todo vampiro, importante mesmo é o sangue. Seu e do governo. Que no final, são a mesma coisa, uma vez que quem banca o governo é você.
A história conta que, certa vez, um secretário de saúde disse que não interessava valorizar os postos de saúde. Segundo ele, “Postos de saúde não interessam, porque povão gosta mesmo é de hospital”. Infelizmente, talvez ele esteja certo. Talvez, pela ignorância ou pela pouca instrução de nossas péssimas escolas, muitos pensem assim. Entretanto, na qualidade de gestor de saúde, é preciso lidar com a população como pacientes, não como clientes. Não sabe a diferença? Eu lhe explico.
Os comerciantes dizem que “o cliente tem sempre razão”. De fato, eles sempre tem razão. Mas saúde não é um jogo onde se compra um produto e se recebe um benefício instantâneo. Não! Na saúde, mais que cliente, você é paciente. E quando se é paciente, não há razão, há fatos! Veja, se você fuma, bebe excessivamente, come compulsivamente, faz sexo sem preservativos com desconhecidos, usa drogas ilícitas, me diga… quando você adoecer, terá razão? Desculpe lhe contar, mas você precisará se tratar, independente da sua razão. E para tratamentos, acima de qualquer relação de cliente, você é um paciente. Sim, paciente.
Sei que os exemplos que dei são fortes para muitas pessoas. Porém, para mim, mais forte e grave é justificar que as pessoas “querem algo” que você, na qualidade de profissional da saúde, sabe que não é o suficiente. Dizer que “povão gosta mesmo é de hospital” para não valorizar os postos de saúde é um deboche sobre a ignorância das pessoas, cuja educação lhes foi privada nas escolas.
Numa conta básica, nossos “mais de 1 milhão de habitantes” não são suportados apenas nos hospitais. Vamos contar quantas vagas, quantos atendimentos cada hospital suporta diariamente? Seja no pronto-socorro central, no de Alcântara, nas Upas, se uma epidemia de Dengue (algo que não é impossível) se alastrar na cidade, esses hospitais dariam conta? Será que hoje, sem epidemias, eles dão conta? Experimente perguntar aos médicos e equipes de enfermagem.
Precisamos mostrar que “o que importa de verdade” é a saúde completa. Segundo os órgãos governamentais, para cada 1 real investido em saneamento, outros 4 são economizados em saúde. Será que isso nada tem a ver com a água que bebemos, com a terra que plantamos ou com as praias que nos orgulhamos de ter? Será que se tivéssemos melhores postos de saúde e unidades com mais especialidades médicas, teríamos tantas pessoas nas filas dos hospitais?
Caros vampiros gonçalenses, povão não gosta de hospital. Povão, como eu, gosta mesmo é de ser saudável. De ser feliz.
Foto: Prefeitura de São Gonçalo