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Solidão no Rocha: uma mãe, um filho e o ponto às 5h da manhã

Não tem solidão maior do que a de uma mulher preta com um filho no colo, às cinco e meia da manhã de um domingo.

Solidão no Rocha: uma mãe, um filho e o ponto às 5h da manhã

Não tem solidão maior do que a de uma mulher preta com um filho no colo, às cinco e meia da manhã de um domingo.

Não tem solidão maior do que a de uma mulher preta com um filho no colo, às cinco e meia da manhã de um domingo. A cidade ainda dorme, apenas os vagantes e os feirantes. E Jéssica com o pequeno Gabriel, bolsas e cuidado pra não deixar cair a mantinha que o protegia do sereno.

Ninguém vê, ninguém sabe. A mulher que arrumou um bico de representante de vendas em um evento na Barra, e precisa antes levar o seu filho para a avó cuidar. Não a sua mãe, a avó mais provável – mas que escolheu não dar nenhum suporte para a filha e suas aventuras. A mãe dele, do galante cavalheiro de fala macia e beijo molhado que lhe prometera um pra sempre que durou três meses. A ex-sogra que tinha prazer em enumerar as novas conquistas do filho garanhão e inconsequente enquanto Jéssica beijava seu pequeno mundo em adeuses e lágrimas contidas.

Jéssica atravessa a praça do Rocha com seu rebento. Do canto do olho, vê a alegria da feira sendo montada, uma das maiores da cidade – só perde pra de Neves. A Kombi dos pastéis e caldo de cana, caminhão de melancia, pula-pula, o 530 da maldita Viação Galo Branco que não aparece. Gabriel ia gostar daquele pula-pula.

“Porque você não tira, boba?”, dizia a amiga. Mas a vida crescia dentro dela, como eliminar essa possibilidade? E nem era por religião, Jéssica nem tinha. Era católica de batizada como quase todo mundo, mas nem se lembrava da última vez que havia ido à igreja ou a qualquer templo. Mas sabia que queria aquele filho, queria gerar, parir, ser adulta, ser… gente. Alguma coisa a impelia em direção a uma aprovação social que nem conhecia.

Agora estava ali, as sombras da noite se dissipando pelo trabalho dos carregadores de caixa, montadores de barracas e vendedores. “Mulher é guerreira!” – como se houvesse opção para a mulher, tendo que criar sozinha a sua vida e as vidas que de si dependem. O homem faz uma tatuagem com o nome, posta fotos com a criança nas redes sociais e pronto, olha que paizão que esse filho da puta é – isso quando não aparece com brinquedos defasados na faixa etária porque não sabe nem do que o filho gosta de brincar. Ainda faz esquema com o patrão pra receber por fora e não ter que aumentar a pensão, como se só dinheiro bastasse. Não passa noites insones vendo febre, não vai na escola, não acorda cinco horas de uma manhã de domingo cheia de bolsas penduradas igual a burro de cigano.

O pequeno Gabriel acorda e reclama no colo da mãe, e Jéssica percebe, com um sorriso debilitado, que não podia esmorecer. Não queria ser guerreira, só queria ter uma vida normal, dividindo responsabilidades e prazeres. Mas não podia.

Eram só ela e o Gabriel. E o mundo lá fora.

Damiana Duarte
Damiana Duartehttp://damianaduarte.blogspot.com.br/
Damiana Duarte é escritora e poetisa. Cresceu e sobrevive do amor que há em São Gonçalo.

Não tem solidão maior do que a de uma mulher preta com um filho no colo, às cinco e meia da manhã de um domingo. A cidade ainda dorme, apenas os vagantes e os feirantes. E Jéssica com o pequeno Gabriel, bolsas e cuidado pra não deixar cair a mantinha que o protegia do sereno.

Ninguém vê, ninguém sabe. A mulher que arrumou um bico de representante de vendas em um evento na Barra, e precisa antes levar o seu filho para a avó cuidar. Não a sua mãe, a avó mais provável – mas que escolheu não dar nenhum suporte para a filha e suas aventuras. A mãe dele, do galante cavalheiro de fala macia e beijo molhado que lhe prometera um pra sempre que durou três meses. A ex-sogra que tinha prazer em enumerar as novas conquistas do filho garanhão e inconsequente enquanto Jéssica beijava seu pequeno mundo em adeuses e lágrimas contidas.

Jéssica atravessa a praça do Rocha com seu rebento. Do canto do olho, vê a alegria da feira sendo montada, uma das maiores da cidade – só perde pra de Neves. A Kombi dos pastéis e caldo de cana, caminhão de melancia, pula-pula, o 530 da maldita Viação Galo Branco que não aparece. Gabriel ia gostar daquele pula-pula.

“Porque você não tira, boba?”, dizia a amiga. Mas a vida crescia dentro dela, como eliminar essa possibilidade? E nem era por religião, Jéssica nem tinha. Era católica de batizada como quase todo mundo, mas nem se lembrava da última vez que havia ido à igreja ou a qualquer templo. Mas sabia que queria aquele filho, queria gerar, parir, ser adulta, ser… gente. Alguma coisa a impelia em direção a uma aprovação social que nem conhecia.

Agora estava ali, as sombras da noite se dissipando pelo trabalho dos carregadores de caixa, montadores de barracas e vendedores. “Mulher é guerreira!” – como se houvesse opção para a mulher, tendo que criar sozinha a sua vida e as vidas que de si dependem. O homem faz uma tatuagem com o nome, posta fotos com a criança nas redes sociais e pronto, olha que paizão que esse filho da puta é – isso quando não aparece com brinquedos defasados na faixa etária porque não sabe nem do que o filho gosta de brincar. Ainda faz esquema com o patrão pra receber por fora e não ter que aumentar a pensão, como se só dinheiro bastasse. Não passa noites insones vendo febre, não vai na escola, não acorda cinco horas de uma manhã de domingo cheia de bolsas penduradas igual a burro de cigano.

O pequeno Gabriel acorda e reclama no colo da mãe, e Jéssica percebe, com um sorriso debilitado, que não podia esmorecer. Não queria ser guerreira, só queria ter uma vida normal, dividindo responsabilidades e prazeres. Mas não podia.

Eram só ela e o Gabriel. E o mundo lá fora.

Damiana Duarte
Damiana Duartehttp://damianaduarte.blogspot.com.br/
Damiana Duarte é escritora e poetisa. Cresceu e sobrevive do amor que há em São Gonçalo.

3 COMENTÁRIOS

  1. Gostaria de saber quem é o o autor. Ele não assina ou eu não vi.
    Difícil não se identificar com a personagem. Eu mesma vivi esta história no mesmo bairro, onde até hoje vivo.

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  1. Gostaria de saber quem é o o autor. Ele não assina ou eu não vi.
    Difícil não se identificar com a personagem. Eu mesma vivi esta história no mesmo bairro, onde até hoje vivo.

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