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Obstáculos e frutos da ocupação do colégio Pandiá

Obstáculos e frutos da ocupação do colégio Pandiá

Visitei o Colégio Estadual Pandiá Calógeras em maio de 2016, durante a ocupação dos estudantes. Desde então me perguntava se o protesto havia trazido bons frutos. Pra saber a resposta encontrei duas alunas do Pandiá, Júlia e Jhully Anne. Elas disseram que não houve melhora profunda no ensino, uma pena. O movimento, pelo menos, conquistou vitórias importantes depois de superar obstáculos cruéis. O amadurecimento dos jovens envolvidos ficou marcado no olhar de cada um, e isso não é pouco.

Enquanto o Pandiá era administrado pelos alunos – muito bem administrado, vale destacar – a Polícia Militar do Rio de Janeiro invadiu o colégio com armas em punho, tentando intimidá-los para identificar as lideranças. Entendeu o que é invasão? É essa violência policial. Tem gente que chamou de invasão a permanência pacífica dos alunos na escola, alunos que naturalmente pertencem àquele espaço.

Com a intenção de ferir os estudantes, assustar e azucrinar, criminosos jogaram bombas dentro do Pandiá por noites seguidas. Bombas de gás também. Menores de idade, meninos e meninas buscando melhorias para a educação enfrentando homens armados e bombas é o resumo da luta estudantil que tomou o Brasil.

O medo de morrer se espalhou junto com o gás. Os estudantes não sabiam se voltariam pra casa, o estresse alcançou níveis altíssimos. Dormir se tornou perigoso. Um aluno surtou depois de ficar acordado várias noites à base de café. Pra proteger os alunos da ameaça constante, professores cochilavam com pedaços de pau na mão.

Em casa, parentes também viviam amedrontados. Mães recebiam notícias falsas da imprensa, de que haveria encerramento forçado da ocupação. Notícias de que os estudantes estavam ociosos, algo que nunca aconteceu.

Desde o princípio, quando desconfiou que a escola seria ocupada, a direção do Pandiá adotou táticas para impedi-la. Chamava os estudantes de bandidos. Queria prejudicar a imagem deles e reduzir seus apoiadores. No dia da ocupação, a direção serviu pernil e salada na merenda pra disfarçar a realidade escolar. Os alunos se esbaldaram, sem saber que a água que bebiam no refeitório estava contaminada por baratas e pombos.

Os manifestantes deram o troco. Distribuíram panfletos convidando o corpo de alunos a ocupar o colégio, dialogaram pessoalmente com funcionários da escola e incluíram o atraso de salários na pauta do protesto. Jhully Anne chegou a viajar para São Paulo a fim de trazer para São Gonçalo os aprendizados da experiência paulista.

As medidas de mobilização e desmobilização lembram filmes de espionagem. O Governo do Estado concordou com algumas reivindicações, como o funcionamento do Rio Card no dia da prova do ENEM, e depois não as cumpriu.

A ocupação do Pandiá começou com menos de 10 alunos, que dormiram na escola no primeiro dia. Por mais de dois meses o grupo resistiu – de forma horizontal, sem lideranças fixas e sustentados com doações – achando que qualquer dia poderia ser o último, tão forte era a repressão.

Um dos jovens foi demitido do trabalho e gastou o dinheiro da rescisão comprando pizza para os ocupantes. Eles respiravam política o tempo inteiro, estudaram até técnicas de negociação. Jhully Anne passava o dia no Pandiá, em Alcântara, e às 23h voltava pra casa, no Rocha, sozinha. Ela comemorou o aniversário de 16 anos no protesto.

Os alunos do Pandiá começaram a vida política na escola e hoje participam dos movimentos culturais de São Gonçalo, como a roda de rap que acontece na Praça Chico Mendes, no Raul Veiga. Júlia e Jhully Anne pretendem estudar Medicina e História. Consequências maravilhosas da ocupação. Jhully, aliás, vai escrever um livro sobre a experiência. Com prazer e o orgulho de quem estudou no Pandiá Calógeras há 24 anos, publico o primeiro rascunho desse livro:

“Hoje não sei se volto. Sinto o cheiro do gás, mas não morro, re(existo)”.

Mário Lima Jr.
Mário Lima Jr.http://mariolimajr.com
Moro em São Gonçalo e toda semana escrevo sobre minha relação com a cidade.

Visitei o Colégio Estadual Pandiá Calógeras em maio de 2016, durante a ocupação dos estudantes. Desde então me perguntava se o protesto havia trazido bons frutos. Pra saber a resposta encontrei duas alunas do Pandiá, Júlia e Jhully Anne. Elas disseram que não houve melhora profunda no ensino, uma pena. O movimento, pelo menos, conquistou vitórias importantes depois de superar obstáculos cruéis. O amadurecimento dos jovens envolvidos ficou marcado no olhar de cada um, e isso não é pouco.

Enquanto o Pandiá era administrado pelos alunos – muito bem administrado, vale destacar – a Polícia Militar do Rio de Janeiro invadiu o colégio com armas em punho, tentando intimidá-los para identificar as lideranças. Entendeu o que é invasão? É essa violência policial. Tem gente que chamou de invasão a permanência pacífica dos alunos na escola, alunos que naturalmente pertencem àquele espaço.

Com a intenção de ferir os estudantes, assustar e azucrinar, criminosos jogaram bombas dentro do Pandiá por noites seguidas. Bombas de gás também. Menores de idade, meninos e meninas buscando melhorias para a educação enfrentando homens armados e bombas é o resumo da luta estudantil que tomou o Brasil.

O medo de morrer se espalhou junto com o gás. Os estudantes não sabiam se voltariam pra casa, o estresse alcançou níveis altíssimos. Dormir se tornou perigoso. Um aluno surtou depois de ficar acordado várias noites à base de café. Pra proteger os alunos da ameaça constante, professores cochilavam com pedaços de pau na mão.

Em casa, parentes também viviam amedrontados. Mães recebiam notícias falsas da imprensa, de que haveria encerramento forçado da ocupação. Notícias de que os estudantes estavam ociosos, algo que nunca aconteceu.

Desde o princípio, quando desconfiou que a escola seria ocupada, a direção do Pandiá adotou táticas para impedi-la. Chamava os estudantes de bandidos. Queria prejudicar a imagem deles e reduzir seus apoiadores. No dia da ocupação, a direção serviu pernil e salada na merenda pra disfarçar a realidade escolar. Os alunos se esbaldaram, sem saber que a água que bebiam no refeitório estava contaminada por baratas e pombos.

Os manifestantes deram o troco. Distribuíram panfletos convidando o corpo de alunos a ocupar o colégio, dialogaram pessoalmente com funcionários da escola e incluíram o atraso de salários na pauta do protesto. Jhully Anne chegou a viajar para São Paulo a fim de trazer para São Gonçalo os aprendizados da experiência paulista.

As medidas de mobilização e desmobilização lembram filmes de espionagem. O Governo do Estado concordou com algumas reivindicações, como o funcionamento do Rio Card no dia da prova do ENEM, e depois não as cumpriu.

A ocupação do Pandiá começou com menos de 10 alunos, que dormiram na escola no primeiro dia. Por mais de dois meses o grupo resistiu – de forma horizontal, sem lideranças fixas e sustentados com doações – achando que qualquer dia poderia ser o último, tão forte era a repressão.

Um dos jovens foi demitido do trabalho e gastou o dinheiro da rescisão comprando pizza para os ocupantes. Eles respiravam política o tempo inteiro, estudaram até técnicas de negociação. Jhully Anne passava o dia no Pandiá, em Alcântara, e às 23h voltava pra casa, no Rocha, sozinha. Ela comemorou o aniversário de 16 anos no protesto.

Os alunos do Pandiá começaram a vida política na escola e hoje participam dos movimentos culturais de São Gonçalo, como a roda de rap que acontece na Praça Chico Mendes, no Raul Veiga. Júlia e Jhully Anne pretendem estudar Medicina e História. Consequências maravilhosas da ocupação. Jhully, aliás, vai escrever um livro sobre a experiência. Com prazer e o orgulho de quem estudou no Pandiá Calógeras há 24 anos, publico o primeiro rascunho desse livro:

“Hoje não sei se volto. Sinto o cheiro do gás, mas não morro, re(existo)”.

Mário Lima Jr.
Mário Lima Jr.http://mariolimajr.com
Moro em São Gonçalo e toda semana escrevo sobre minha relação com a cidade.

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