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A jovem política: entre candidaturas, derrotas, boquinhas e eleições

A jovem política, antes desiludida, era vista com políticos, arranjando consultas, empreguinhos para familiares, amigos e na boca de urna.

A jovem política: entre candidaturas, derrotas, boquinhas e eleições

A jovem política, antes desiludida, era vista com políticos, arranjando consultas, empreguinhos para familiares, amigos e na boca de urna.

Ela pensava que era uma pessoa influenciadora que inspirava. Aonde ia, expunha as suas ideias, opiniões e possíveis projetos. Encantava alguns. Era um misto de prazer e vontade de conscientizar os cidadãos de que era possível e necessário fazer alguma coisa.

Tinha uma origem humilde numa cidade relativamente pobre. Sua história era parecida com a da maioria dos moradores do município. Nunca teve vergonha disso, afinal, era uma pessoa comum. Seus pais sempre se esforçaram em oferecer uma vida digna, de modo que nada lhe faltasse. Pouquíssimas vezes teve o que queria, contudo compreendeu que teve tudo de que precisou.

A realidade da sua cidade era cruel! Era tomada por pensamentos do tipo: “ninguém faz nada?”, “onde estão os políticos deste lugar?”, “um dia teremos dignidade?”, “os políticos só pensam em roubar!”. Tudo confirmado no seu cotidiano. Não eram poucos os que pensavam igualmente. Quase todos os seus parentes também concordavam com essas dúvidas e exclamações. Após vários questionamentos, decidiu entrar na política partidária de corpo e alma. Ela não tinha noção dos desafios que a aguardavam.

Andou por vários lugares e frequentou muitas reuniões procurando se encaixar em algum partido, mas sempre hesitante e desconfiada de que estava ali para ser usada. Conhecia a lei que constituía 30% das candidaturas femininas, porém sabia que a maioria dos partidos estava longe de chegar a esse padrão ideal. “A maioria da população brasileira é formada por mulheres e ainda tem partidos que não conseguem alcançar essa porcentagem mínima?”, pensava ela. Até que um dia encontrou o partido “ideal”: um grande número de mulheres, agregador, que fugia da polarização, tinha um viés moralizador sobre a corrupção e sempre lançava mão desse expediente nas reuniões. Filiou-se a ele. Faltava pouco menos de um ano para as eleições municipais e concorreria ao cargo de vereadora.

Neste ínterim, procurou saber das competências e atribuições dos prefeitos e vereadores. Sabia de cor os Regimento da Câmara Municipal e a Lei Orgânica do Município. Conhecia alguns bairros melhor do que o “Google Maps”. Cumpriu uma agenda de reuniões com os familiares e conhecidos da rua que a viram crescer. Tentou conectar suas ideias as que já estavam em práticas na cidade. Movimentava as redes sociais com frequência e tinha relativo sucesso nessa empreitada. Preparou-se o quanto pôde. Apesar de não ser religiosa, parecia uma missionária: “pregava” em todo tempo e lugar sobre política. Uma jovem aspirando emancipação!

Os meses se passaram, os desafios ficaram mais complexos e os problemas multiplicaram-se absurdamente. Ainda não podia dizer abertamente que era candidata. Ouvia rumores de algumas possíveis candidaturas de pessoas da sua região que poderiam lhe tirar os prováveis votos. Percebia a influência de políticos de outros bairros que nunca haviam ido ao seu território, salvo nos períodos eleitorais, e era sempre a mesma história. Os mesmos que reclamavam 4 anos da omissão dos políticos lá estavam apertando a mão e declarando apoio a eles. Inclusive, um desses políticos que se sentia dono de partido e tinha recursos financeiros, políticos e humanos ao seu dispor, tentou comprá-la, quer dizer, influenciá-la, mas ela não se vendia.

Muito sagaz, ela foi percebendo que o apoio à sua candidatura já não tinha mais tanto entusiasmo assim, principalmente entre os seus familiares. A coisa piorou quando ela explicou o que era nepotismo e falou abertamente num desses eventos de família que era explicitamente contra. Os olhares de alguns parentes se cruzavam com relativa perplexidade, mas ela nem percebia. Seus pais tentavam utilizar palavras mais suaves para contornar a situação perante a parentela e consolidar aqueles importantes eleitores, mas vinha a jovem e os desdizia, reafirmando a sua posição. Apesar disso, conseguia expor as suas ideias e projetos para a cidade e a maioria concordava com eles.

Começou a campanha eleitoral e as reuniões eram frequentes com os amigos e possíveis apoiadores. Expunha, apaixonadamente, os seus projetos para a cidade. Fazia questão de se apresentar como “aquela que iria fazer a diferença na Câmara Municipal”. Empolgava a muitos. Quando começava a falar que para indicar pessoas a um cargo em seu gabinete precisaria de competência e confiança, causava a mesma reação que ocorreu entre os familiares. Seu lema de campanha era: “não farei nada para você, mas com você!”. Tinha aversão aos populismos de qualquer vertente política.

Sentiu um certo esvaziamento a cada reunião, mas jamais esmorecia; era obstinada! Cria que talvez houvesse uma virada em algum momento na campanha. Além disso, surpreendeu-se com apoios inesperados de pessoas que nunca a tinha visto, mas que acreditavam em seus projetos. Uma surpresa ambígua, porque muitos familiares e amigos já apoiavam abertamente outros candidatos.

Andando pelas ruas, teve um choque de realidade com a população. Quer dizer, mais um! Não eram poucos os que pediam as coisas mais bizarras e estranhas. Dentadura, tinta de cabelo, marcação de consultas médicas, cadastro em programas governamentais… Ela começou a ter dificuldade de se relacionar com o povão. Parecia que, na sua campanha, estava escrito: “vagas de empregos”. Recebeu tantos currículos que já não tinha espaço em casa para arquivá-los.

Finalmente, chegou o dia da eleição e, por princípio, decidiu não panfletar e fazer boca de urna. Queria ser “a diferente” e assim foi até o último minuto. À noitinha, saiu o resultado das eleições municipais. Segundo turno para prefeito entre dois safados, segundo ela. Realmente não conseguia entender como eles foram os mais votados. Todavia, o pior ainda estava por vir. Recebeu um número de votação um pouco maior do que a metade de toda a sua família e quem nunca havia pisado no seu bairro acabou se elegendo com um número significativo de votos em seu território.

Escrito está no Grande Livro que “um abismo chama outro abismo”. A frustração veio com tudo de pior que se possa imaginar e continuou domingo, noite afora. Chorou copiosamente junto com seus pais buscando alguma explicação racional para aquela situação. Perguntava a si e a eles o que fizera de errado, mas não chegava a uma conclusão factível. Na manhã de segunda, incrivelmente todos haviam votado nela. E quando digo todos, falo de todos mesmos. Ninguém tinha coragem de lhe falar a verdade, mas tentavam confortá-la: “é assim mesmo”, “liga não, da próxima você consegue”. Essa e outras ladainhas de sempre. Os seus pais também tentaram consolá-la. Sua mãe, uma mulher muito sábia, trouxe uma revelação poderosa que trouxe certo alívio à jovem: “Filha… Fique assim não: coração de eleitor só quem conhece é a urna!”, disse ela.

Enfim… a jovem política passou 2 anos e meio sem se envolver com política. Ficara traumatizada, até que um daqueles políticos influenciadores bateu em seu portão oferecendo todo o apoio necessário. Após muitas conversas, ele mostrou a ela que era uma jovem que havia pecado por não conhecer o sistema. De repente, a jovem política era vista ao lado do político influenciador arranjando dentaduras, consultas, empreguinhos para os familiares e amigos nas secretarias e pagando para fazerem boca de urna com panfletagem no dia da eleição. Vocês não vão acreditar: a jovem política finalmente se elegeu!

Thiago Lima
Thiago Lima
Thiago Lima sente muito orgulho de ser um legítimo cidadão papagoiaba que ama fazer História. Cria do bairro do Rocha, reside, atualmente, no Colubandê. É casado com Hadassa, pai do Olafe, um maravilhoso labralata, e futuro papai da Abgail.

Ela pensava que era uma pessoa influenciadora que inspirava. Aonde ia, expunha as suas ideias, opiniões e possíveis projetos. Encantava alguns. Era um misto de prazer e vontade de conscientizar os cidadãos de que era possível e necessário fazer alguma coisa.

Tinha uma origem humilde numa cidade relativamente pobre. Sua história era parecida com a da maioria dos moradores do município. Nunca teve vergonha disso, afinal, era uma pessoa comum. Seus pais sempre se esforçaram em oferecer uma vida digna, de modo que nada lhe faltasse. Pouquíssimas vezes teve o que queria, contudo compreendeu que teve tudo de que precisou.

A realidade da sua cidade era cruel! Era tomada por pensamentos do tipo: “ninguém faz nada?”, “onde estão os políticos deste lugar?”, “um dia teremos dignidade?”, “os políticos só pensam em roubar!”. Tudo confirmado no seu cotidiano. Não eram poucos os que pensavam igualmente. Quase todos os seus parentes também concordavam com essas dúvidas e exclamações. Após vários questionamentos, decidiu entrar na política partidária de corpo e alma. Ela não tinha noção dos desafios que a aguardavam.

Andou por vários lugares e frequentou muitas reuniões procurando se encaixar em algum partido, mas sempre hesitante e desconfiada de que estava ali para ser usada. Conhecia a lei que constituía 30% das candidaturas femininas, porém sabia que a maioria dos partidos estava longe de chegar a esse padrão ideal. “A maioria da população brasileira é formada por mulheres e ainda tem partidos que não conseguem alcançar essa porcentagem mínima?”, pensava ela. Até que um dia encontrou o partido “ideal”: um grande número de mulheres, agregador, que fugia da polarização, tinha um viés moralizador sobre a corrupção e sempre lançava mão desse expediente nas reuniões. Filiou-se a ele. Faltava pouco menos de um ano para as eleições municipais e concorreria ao cargo de vereadora.

Neste ínterim, procurou saber das competências e atribuições dos prefeitos e vereadores. Sabia de cor os Regimento da Câmara Municipal e a Lei Orgânica do Município. Conhecia alguns bairros melhor do que o “Google Maps”. Cumpriu uma agenda de reuniões com os familiares e conhecidos da rua que a viram crescer. Tentou conectar suas ideias as que já estavam em práticas na cidade. Movimentava as redes sociais com frequência e tinha relativo sucesso nessa empreitada. Preparou-se o quanto pôde. Apesar de não ser religiosa, parecia uma missionária: “pregava” em todo tempo e lugar sobre política. Uma jovem aspirando emancipação!

Os meses se passaram, os desafios ficaram mais complexos e os problemas multiplicaram-se absurdamente. Ainda não podia dizer abertamente que era candidata. Ouvia rumores de algumas possíveis candidaturas de pessoas da sua região que poderiam lhe tirar os prováveis votos. Percebia a influência de políticos de outros bairros que nunca haviam ido ao seu território, salvo nos períodos eleitorais, e era sempre a mesma história. Os mesmos que reclamavam 4 anos da omissão dos políticos lá estavam apertando a mão e declarando apoio a eles. Inclusive, um desses políticos que se sentia dono de partido e tinha recursos financeiros, políticos e humanos ao seu dispor, tentou comprá-la, quer dizer, influenciá-la, mas ela não se vendia.

Muito sagaz, ela foi percebendo que o apoio à sua candidatura já não tinha mais tanto entusiasmo assim, principalmente entre os seus familiares. A coisa piorou quando ela explicou o que era nepotismo e falou abertamente num desses eventos de família que era explicitamente contra. Os olhares de alguns parentes se cruzavam com relativa perplexidade, mas ela nem percebia. Seus pais tentavam utilizar palavras mais suaves para contornar a situação perante a parentela e consolidar aqueles importantes eleitores, mas vinha a jovem e os desdizia, reafirmando a sua posição. Apesar disso, conseguia expor as suas ideias e projetos para a cidade e a maioria concordava com eles.

Começou a campanha eleitoral e as reuniões eram frequentes com os amigos e possíveis apoiadores. Expunha, apaixonadamente, os seus projetos para a cidade. Fazia questão de se apresentar como “aquela que iria fazer a diferença na Câmara Municipal”. Empolgava a muitos. Quando começava a falar que para indicar pessoas a um cargo em seu gabinete precisaria de competência e confiança, causava a mesma reação que ocorreu entre os familiares. Seu lema de campanha era: “não farei nada para você, mas com você!”. Tinha aversão aos populismos de qualquer vertente política.

Sentiu um certo esvaziamento a cada reunião, mas jamais esmorecia; era obstinada! Cria que talvez houvesse uma virada em algum momento na campanha. Além disso, surpreendeu-se com apoios inesperados de pessoas que nunca a tinha visto, mas que acreditavam em seus projetos. Uma surpresa ambígua, porque muitos familiares e amigos já apoiavam abertamente outros candidatos.

Andando pelas ruas, teve um choque de realidade com a população. Quer dizer, mais um! Não eram poucos os que pediam as coisas mais bizarras e estranhas. Dentadura, tinta de cabelo, marcação de consultas médicas, cadastro em programas governamentais… Ela começou a ter dificuldade de se relacionar com o povão. Parecia que, na sua campanha, estava escrito: “vagas de empregos”. Recebeu tantos currículos que já não tinha espaço em casa para arquivá-los.

Finalmente, chegou o dia da eleição e, por princípio, decidiu não panfletar e fazer boca de urna. Queria ser “a diferente” e assim foi até o último minuto. À noitinha, saiu o resultado das eleições municipais. Segundo turno para prefeito entre dois safados, segundo ela. Realmente não conseguia entender como eles foram os mais votados. Todavia, o pior ainda estava por vir. Recebeu um número de votação um pouco maior do que a metade de toda a sua família e quem nunca havia pisado no seu bairro acabou se elegendo com um número significativo de votos em seu território.

Escrito está no Grande Livro que “um abismo chama outro abismo”. A frustração veio com tudo de pior que se possa imaginar e continuou domingo, noite afora. Chorou copiosamente junto com seus pais buscando alguma explicação racional para aquela situação. Perguntava a si e a eles o que fizera de errado, mas não chegava a uma conclusão factível. Na manhã de segunda, incrivelmente todos haviam votado nela. E quando digo todos, falo de todos mesmos. Ninguém tinha coragem de lhe falar a verdade, mas tentavam confortá-la: “é assim mesmo”, “liga não, da próxima você consegue”. Essa e outras ladainhas de sempre. Os seus pais também tentaram consolá-la. Sua mãe, uma mulher muito sábia, trouxe uma revelação poderosa que trouxe certo alívio à jovem: “Filha… Fique assim não: coração de eleitor só quem conhece é a urna!”, disse ela.

Enfim… a jovem política passou 2 anos e meio sem se envolver com política. Ficara traumatizada, até que um daqueles políticos influenciadores bateu em seu portão oferecendo todo o apoio necessário. Após muitas conversas, ele mostrou a ela que era uma jovem que havia pecado por não conhecer o sistema. De repente, a jovem política era vista ao lado do político influenciador arranjando dentaduras, consultas, empreguinhos para os familiares e amigos nas secretarias e pagando para fazerem boca de urna com panfletagem no dia da eleição. Vocês não vão acreditar: a jovem política finalmente se elegeu!

Thiago Lima
Thiago Lima
Thiago Lima sente muito orgulho de ser um legítimo cidadão papagoiaba que ama fazer História. Cria do bairro do Rocha, reside, atualmente, no Colubandê. É casado com Hadassa, pai do Olafe, um maravilhoso labralata, e futuro papai da Abgail.

3 COMENTÁRIOS

    • Quando as eleições chegam, os ataques são sempre os mesmos. A mesma ladainha. Nunca tive boquinha, afinal, trabalho há algum tempo sempre em iniciativas privadas. Mas para quem só vê política como meio de vida, realmente é difícil ter outra visão.

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    • Quando as eleições chegam, os ataques são sempre os mesmos. A mesma ladainha. Nunca tive boquinha, afinal, trabalho há algum tempo sempre em iniciativas privadas. Mas para quem só vê política como meio de vida, realmente é difícil ter outra visão.

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