Se São Gonçalo fosse desértica, lugar onde vento, areia e pedra dominassem a paisagem e nenhuma atração existisse além de Uma Noite na Taverna, valeria a pena viver na cidade. Após quase 13 anos de existência, a Taverna acabou ontem (10/12).
O maior evento gonçalense de poesia, literatura, dança, música e artes plásticas se manteve sem ganhar R$1 de incentivo do governo municipal. Mas, surpreendentemente, já recebeu uma recusa de apoio logístico, algo tão simples de prover quanto uma caixa de som.
Grande parte da população, que não lê, não vai ao teatro, ignora exposições e não consome Cultura, não conheceu a Taverna. Se faltou algo para lhe dar mais 13 anos de vida, pelo menos, foi a limitação de público. A Taverna chegou à adolescência com graves problemas de desenvolvimento: seu corpo continua praticamente o mesmo da infância.
Por falta de investimento sério do governo no setor cultural, fica difícil conhecer São Gonçalo de verdade, sua personalidade criativa, vigor e qualidades únicas, entre elas Uma Noite na Taverna. Dá trabalho compreender o que difere esta cidade de Niterói. Esforço que Juliana Paes não fez até hoje, por falta de interesse, por isso falou merda no programa Adnight, da TV Globo.
Uma noite levei meu pai à Taverna. Cheio de orgulho por compartilhar com o coroa aquela penumbra maravilhosa de contestação social, erudição e alguns xingamentos, assistimos a apresentação lado a lado, às vezes abraçados, e trocamos beijos no rosto. Um amigo, que também estava presente mas não reconheceu meu pai, pensou que eu estivesse namorando em segredo um homem mais velho. Meu amigo estava chocado – sou casado, com uma mulher, e tenho um filho.
Beatriz, minha esposa há 8 anos, também já foi “arrastada” por mim a algumas edições. Na primeira ainda éramos namorados, caía um dilúvio sobre São Gonçalo e ela detestou ouvir poesia com a roupa e os sapatos encharcados.
A Taverna mudou a vida de cada frequentador, até da minha mulher, que nunca se esqueceu do temporal poético. Conhecer a obra de nomes consagrados da poesia mundial deixa marcas permanentes.
Durante anos testemunhei Rodrigo Santos e Romulo Narducci estimulando covardes como eu a escrever e publicar a própria arte. Hoje escrevo um artigo por semana sobre São Gonçalo, sou feliz por isso, e Rodrigo e Romulo são influências inegáveis.
Ontem, ouvindo a poesia de Leonard Cohen, homenageado da noite, estava pensando no que dizer sobre a última Taverna. O ultrarromantismo dominava o ambiente, como em qualquer edição, não é novidade. Olhei para a vela acesa na minha mesa e vi semelhanças com a luta dos organizadores do evento pela cultura. O vento apagou a vela várias vezes. A Taverna também enfrentou inúmeros obstáculos ao longo da sua história. Depois da quinta ou sexta tentativa, a chama se fortaleceu e passou a vencer as investidas do vento. Finalmente a chama ficou acesa até queimar completamente a vela. Depois de 13 anos superando o isolamento causado pela falta de recursos, a Taverna não se apagará jamais. Evoé!