MENU

Cidade que mata crianças

Cidade que mata crianças

Se o assassinato de apenas uma criança em qualquer lugar do mundo é tragédia inconsolável, o que dizer do assassinato de uma criança e dois adolescentes na mesma cidade, São Gonçalo, em menos de uma semana? Significa a ruína absoluta da sociedade gonçalense e brasileira. Os aparelhos de segurança, as instituições de proteção social e a organização do Estado foram criados e evoluíram com intuitos opostos à destruição da vida em estágio inicial.

Ana Beatriz, a mais nova, foi a primeira vítima. Ela tinha 5 anos. Ver as fotos dela publicadas pela imprensa transmite a noção exata do fracasso social. Não há sangue ou tristeza nas fotos, mas a alegria perdida. Bia brincava com outras crianças durante uma festa na casa de um tio, no bairro Santa Catarina, dia seis de março. De repente foi atingida na cabeça por um tiro que ninguém – polícia e parentes presentes – sabe de onde veio, e caiu. Ao acaso, displicentemente, como alguns jogam as cinzas do cigarro no chão com um peteleco.

A fatalidade que parece surreal, no entanto é típica de zonas guerra, se repetiu: dois dias após a morte de Bia no Hospital Estadual Alberto Torres, João Victor foi baleado, também na cabeça, brincando com amigos na rua Oscarina Maciel, no bairro Mutuapira. Socorrido, morreu horas depois no mesmo hospital onde a menina ficou 4 dias internada. Aos 14 anos de idade, João curtia as emoções únicas desta fase em que ainda brincamos como crianças e aprendemos a paquerar. “Bala perdida”, disseram os jornais, mas não há balas perdidas na Síria ou no Brasil. Quando disparadas elas não escolhem vítimas entre bandidos, heróis e garotinhas brincando em festas de aniversário.

No domingo (13/03) foi a vez de Ygor (16 anos) ser assassinado no Jockey, um dia depois de João Victor. Como dez adolescentes entre 16 e 17 anos são baleados e morrem por dia no Brasil (Mapa da Violência), parte da imprensa não consegue identificá-los antes de publicar a notícia, foi difícil achar o nome de Ygor. Pobre e negro, como a esmagadora maioria, ele chegou a ser espancado pelos assassinos após deixar uma lanchonete. Muitos brasileiros desejam que adolescentes infratores a partir de 16 anos sejam presos, mas o Mapa da Violência mostra um problema mais grave sem a devida atenção da população. Ygor iria para Curitiba mês que vem realizar o sonho de ser jogador de futebol.

A morte de crianças e adolescentes vítimas da violência que os adultos criaram é o único crime imperdoável de uma sociedade.

Mário Lima Jr.
Mário Lima Jr.http://mariolimajr.com
Moro em São Gonçalo e toda semana escrevo sobre minha relação com a cidade.

Se o assassinato de apenas uma criança em qualquer lugar do mundo é tragédia inconsolável, o que dizer do assassinato de uma criança e dois adolescentes na mesma cidade, São Gonçalo, em menos de uma semana? Significa a ruína absoluta da sociedade gonçalense e brasileira. Os aparelhos de segurança, as instituições de proteção social e a organização do Estado foram criados e evoluíram com intuitos opostos à destruição da vida em estágio inicial.

Ana Beatriz, a mais nova, foi a primeira vítima. Ela tinha 5 anos. Ver as fotos dela publicadas pela imprensa transmite a noção exata do fracasso social. Não há sangue ou tristeza nas fotos, mas a alegria perdida. Bia brincava com outras crianças durante uma festa na casa de um tio, no bairro Santa Catarina, dia seis de março. De repente foi atingida na cabeça por um tiro que ninguém – polícia e parentes presentes – sabe de onde veio, e caiu. Ao acaso, displicentemente, como alguns jogam as cinzas do cigarro no chão com um peteleco.

A fatalidade que parece surreal, no entanto é típica de zonas guerra, se repetiu: dois dias após a morte de Bia no Hospital Estadual Alberto Torres, João Victor foi baleado, também na cabeça, brincando com amigos na rua Oscarina Maciel, no bairro Mutuapira. Socorrido, morreu horas depois no mesmo hospital onde a menina ficou 4 dias internada. Aos 14 anos de idade, João curtia as emoções únicas desta fase em que ainda brincamos como crianças e aprendemos a paquerar. “Bala perdida”, disseram os jornais, mas não há balas perdidas na Síria ou no Brasil. Quando disparadas elas não escolhem vítimas entre bandidos, heróis e garotinhas brincando em festas de aniversário.

No domingo (13/03) foi a vez de Ygor (16 anos) ser assassinado no Jockey, um dia depois de João Victor. Como dez adolescentes entre 16 e 17 anos são baleados e morrem por dia no Brasil (Mapa da Violência), parte da imprensa não consegue identificá-los antes de publicar a notícia, foi difícil achar o nome de Ygor. Pobre e negro, como a esmagadora maioria, ele chegou a ser espancado pelos assassinos após deixar uma lanchonete. Muitos brasileiros desejam que adolescentes infratores a partir de 16 anos sejam presos, mas o Mapa da Violência mostra um problema mais grave sem a devida atenção da população. Ygor iria para Curitiba mês que vem realizar o sonho de ser jogador de futebol.

A morte de crianças e adolescentes vítimas da violência que os adultos criaram é o único crime imperdoável de uma sociedade.

Mário Lima Jr.
Mário Lima Jr.http://mariolimajr.com
Moro em São Gonçalo e toda semana escrevo sobre minha relação com a cidade.

RESPONDA AO COMENTÁRIO

Escreva seu comentário aqui.
Por favor, insira seu nome aqui.

RESPONDA AO COMENTÁRIO

Escreva seu comentário aqui.
Por favor, insira seu nome aqui.