– Deu duro, tome um Dreher.
A frase da propaganda antiga ecoava na cabeça de Bernardo, enquanto se mirava no espelho do banheiro. Parecia olhar um estranho, já que o homem no espelho envelhecera muito desde a última vez que estivera ali, com aquela mesma companhia. O homem no espelho não era ele.
Há trinta anos, naquele mesmo motel, dois jovens apaixonados fundiram seus corpos em um, recitando baixinho juras de amor eterno e rindo de doces amenidades. O quarto era mais modesto – as rendas de um jovem não dão direito a luxos – mas fora ali mesmo que Bernardo e Nathália haviam sido tão felizes (o motel mais perto, o que menos maltrataria o taxímetro).
– Você não vem? – a voz de Nathália passava pela porta do banheiro. Trinta anos depois, o frio na barriga, a antecipação do toque, o cheiro dilatando as narinas. Os dois haviam se casado, construído suas famílias – em separado, cada um com a sua. Encontravam-se muito ocasionalmente pela cidade, entre ônibus, filas de banco e supermercados. Enquanto Bernardo era substituído gradualmente por aquele homem no espelho, a vida esculpira Nathália com os caprichos de um ourives, engastando aqui e ali pedras de beleza em carne. Um esbarrão casual, oito palavras, doze olhares, e em menos de uma semana estavam ali. E tudo que Bernardo queria agora era um Dreher. Sua mão direita apertava uma decisão difícil, e seus punhos cerravam mais que os dentes.
Afinal, o homem no espelho não era mais um garoto. “Prefiro morrer a ficar brocha!”, dizia a seus amigos dos bares da Trindade, alardeando sempre a falsa confiança de macho latino herdada de não sei quando. A frase passara de engraçada a desafiadora e, com o tempo, foi substituída por “os dois piores momentos da vida de um homem são a primeira vez que ele não consegue dar a segunda e a segunda vez que não consegue dar a primeira!”. Risos – agora tensos – e mais uma rodada de cervejas. O sol do vigor ia se pondo vermelho no horizonte para todos, e os chistes viravam folclore.
Mas a vida era boa demais, e os interesses iam aos poucos se sobrepondo. A primeira vez da segunda chegou, a segunda vez da primeira, e a vida corria. “Nunca irei tomar nenhum remédio para ereção”, era agora o lema dos 50 anos, que ecoava mais em sua cabeça que por sobre o tira-gosto. Não se importava mais tanto com essa questão, sexo, performance, atletismo horizontal. Assumia seu poente com orgulho e altivez, e aguardava apenas o óbito final da paixão. Até aquele momento.
– Já vou, Nat! – abriu a mão, e o comprimido azul brotou no meio da palma esbranquiçada pela força. A decisão era difícil, o rosto tenso do Bernardo no espelho parecia cobrar a sua dignidade. E então relaxou, exibindo as linhas nos cantos dos lábios e sob os olhos. O homem no espelho ainda era ele, e dignidade e orgulho são penduricalhos que comprometem a aerodinâmica do amor.
A pílula azul voou para dentro de sua boca, e Bernardo saiu do banheiro para ganhar a suíte do Motel Green, onde Nathália o esperava ansiosa e tímida como a menina de 30 anos atrás.
Não sem antes trocar um olhar de cumplicidade com o espelho.