Para muita gente, milícias e tráfico em seus bairros não são novidades. Seja no Laranjal, com traficantes cobrando taxas aos moradores e comerciantes, ou em Itaboraí, Magé e Santa Cruz, com a milícia expulsando as pessoas de seu próprio lar para vender as casas. É o direito de ir e vir se extinguindo por completo.
Mudar de residência ficou difícil. Afinal, mesmo que a pessoa queira, com qual dinheiro ela vai comprar outra casa? Será que alguém compraria uma casa nessa mesma área de risco? E ainda corre o risco de ver a casa se desvalorizando tanto que, mesmo que alguém queira, será por um valor irrisório perto do que valia. E assim, quem vendeu não consegue nem mesmo dar uma boa entrada em outro lar.
Em ambos os casos, o cidadão perdeu seu investimento imobiliário que levou anos para pagar. Horas de trabalho e esforço pro lixo.
Há quem justifique que muitos desses lugares são posses. Isso não é argumento. As casas construídas são fruto de trabalho, gasto e suor. E se lá chega luz e água, é indício que o estado concordou com a ocupação. Mesmo que se omitindo.
Milícias e tráfico mudam o mercado imobiliário
Boa parte das vezes, o dinheiro que investimos em um imóvel é o valor mais caro que pagaremos por algo singular em nossas vidas. Seja no aluguel ou nas parcelas da sonhada casa própria. Pagamos muito!
Numa pesquisa do IBGE, em 2019, um estudo mostrou que o brasileiro gasta cerca de 70% de sua renda apenas com habitação, alimentação e transporte. E que 24% das famílias vivem com até 2 salários mínimos.
Mas no momento atual, onde muita gente perdeu o emprego, este número só cresce. Para termos uma ideia, no mesmo ano de 2019, a prefeitura de São Gonçalo recebeu R$411 milhões de reais do governo federal, segundo o Portal da Transparência, cujos 43,85% foram destinados aos programas sociais, como Bolsa Família e BPC (Benefício de Prestação Continuada). Estes contavam com 76.206 beneficiários.
E num cenário de grande pobreza, onde a mobilidade social já é ínfima, as milícias e tráfico sabem que boa parte das pessoas não conseguirá se mudar. Elas não tem reservas financeiras, nem fonte de renda para comprar outra residência. E assim, o processo de aprisionamento continua em todo estado do Rio de Janeiro.
E qual a solução para isso?
Há quem cobre maior presença do Estado nesses locais. Há também quem aponte a falha do estado em garantir a segurança e que um maior enfrentamento ao crime organizado resolveria as coisas.
Ambas as soluções são válidas, no meu entender. Se elas fossem combinadas, então, talvez conseguíssemos ótimos resultados. Porém, há uma pergunta antes: como bancaríamos essa expansão de serviços? Há dinheiro para pagar mais profissionais? Seja professores, médicos ou policiais?
Penso que chegamos num momento onde precisamos conversar seriamente sobre o adensamento populacional. O que, em outras palavras, significa trazer as pessoas para as partes da cidade com infraestrutura.
Hoje, a capacidade financeira da cidade não permite que façamos grandes expansões de programas de saneamento básico. Já nosso transporte se mostra ineficiente, quando o modelo é altamente dependente de ônibus para circular. Caso trouxéssemos a cidade para as regiões centrais, teríamos uma chance de ter sucesso.
E onde milícias e tráfico entram nisso?
Há algum tempo, tem sido perceptível que o modelo do tráfico de drogas, como um comércio regular, sofreria o baque econômico. O comércio de substâncias ilícitas funciona como qualquer outro produto. Depende dos fluxos de oferta e demanda. Precisa de consumidores.
Porém, numa cidade cada vez mais empobrecida como a nossa e com consistentes programas aliados a instituições religiosas, que afastam muitos do universo das drogas, talvez a venda de “pó de 10” ou “maconha de 20” não seja mais tão lucrativa. Sem falar nas operações de retenção da carga, que impactam os negócios criminosos.
Com o modelo de extorsão de moradores e comerciantes, os criminosos têm mais chances de ter um “negócio rentável”. Basta que a facção domine a região para vender gás, segurança, luz, internet… enfim, tudo.
É como se o tráfico de drogas saísse do modelo de negócio focado em produtos para o de serviços. E nesse sentido, o domínio do território, por conta da ausência do estado, é o componente fundamental para que milicianos e traficantes tenham um projeto vencedor.
Em alguns lugares, comerciantes estimam que os criminosos arrecadem R$ 100 mil reais por mês. Valor que, no ano, é cerca de 0,1% do orçamento de São Gonçalo.
E para onde adensar a cidade?
A saída mais viável seria a verticalização. Nosso território é dominado por casas baixas, com 2 ou 3 pavimentos, no máximo. Ainda sim, nos bairros com grande infraestrutura, como no 4º, 5º e a parte mais valorizada do 1º distrito, há um potencial de crescimento que pode ser aproveitado.
Mas para isso, é necessário que os vereadores construam um excelente plano diretor. Em conjunto com um prefeito qualificado e com visão, seria possível dar os primeiros passos para redesenhar a cidade, reduzindo o tamanho da área ocupada e facilitando a distribuição de serviços entre a população. Inclusive, a segurança. Afinal, se Polícia puder atuar num território menor, com o mesmo efetivo de hoje, ela tende a ser mais eficiente.
Num cenário de baixo orçamento, o adensamento populacional facilitaria a logística, concentrando e otimizando recursos, que podem proporcionar, também, uma melhor qualidade de vida aos cidadãos.
Curiosamente, a milícia da zona oeste do Rio teve a mesma ideia. A construção de prédios na Muzema, por exemplo, têm a mesma função. Além da venda de imóveis, encurralam a população em um só território, ganhando eternos “condôminos”. Garantindo a renda da organização criminosa para sempre.
E é essa lógica que precisamos combater. Sem confronto, sem tiros, só com boas políticas habitacionais. E aí, será que conseguiremos fazer isso nos próximos 10 anos? É uma boa pergunta.