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O Vila Três não é mais o mesmo

O Vila Três não é mais o mesmo

Cheguei ao Vila Três em 1989, aos 7 anos de idade. Quando o caminhão que trazia a mobília da família alcançou a esquina da rua onde moro até hoje, fiz meu primeiro amigo no bairro. Da janela do caminhão, sem ao menos pisar em solo gonçalense. Assim que o veículo parou, desci minha bicicleta da carroceria e pedalei com meu novo amigo. Nessa mesma rua, mês passado, eu observava meu filho andando de bicicleta quando dez bandidos armados nos mandaram correr e buscar abrigo, porque o tiroteio iria começar. Antes acolhedor, consideravelmente pacífico, o Vila Três não é mais o mesmo.

Quem mora no bairro, principalmente nas quadras próximas do Morro da Caixa D’água, já sabe: a rotina de nossas vidas foi violentamente alterada. Evitamos sair tarde do trabalho, perdemos as últimas aulas do curso e tememos qualquer diversão noturna porque é preciso estar dentro de casa cedo, de preferência antes de anoitecer.

Escutamos tiros diariamente, em qualquer horário, e há noites em que verdadeiras batalhas são travadas na região, com a população no meio. Armas automáticas são ouvidas por todos os lados, cuspindo rajadas de diversos tipos e sequências, não é barulhinho espaçado de revólver, é guerra intensa. Antes os vizinhos visitavam uns aos outros para conversar, hoje usam o telefone para saber se está tudo bem. É o mesmo que perguntar “Você foi alvejado? Alguma bala atingiu sua casa?”.

Experientes, as crianças do bairro não confundem mais tiros e fogos de artifício, sabem perfeitamente a diferença entre os dois. Há alguns meses atrás meu filho corria para meu colo quando o som angustiante começava. Hoje ele finge não ter medo, como os homens adultos. Continua assistindo desenho animado na televisão enquanto a guerra explode lá fora, apenas com uma grave tensão no rosto e ouvidos atentos. Eu aumento o som da TV, mas nada abafa o barulho de tiros a poucos metros. Geralmente mais sinceras sobre seus sentimentos, as mulheres agem diferente: durante o tiroteio, minha esposa se afasta das janelas, procura a proteção das paredes do corredor e se abaixa. De formas diferentes, o medo oprime a todos.

Ver a locadora onde aluguei filmes na adolescência fechada e escolas interrompendo suas aulas por ordem de traficantes dá a certeza de que uma época de inocência se foi. As famílias que vivem no Vila Três perderam a paz e o Estado não se pronuncia sobre a situação de guerra e medo. A Polícia faz buscas no Morro, nada encontra, vai embora e o tiroteio recomeça logo depois. Sinto saudades do Salema, ele tratava os gonçalenses com mais respeito.

Foto: Joseph Cunha

Mário Lima Jr.
Mário Lima Jr.http://mariolimajr.com
Moro em São Gonçalo e toda semana escrevo sobre minha relação com a cidade.

Cheguei ao Vila Três em 1989, aos 7 anos de idade. Quando o caminhão que trazia a mobília da família alcançou a esquina da rua onde moro até hoje, fiz meu primeiro amigo no bairro. Da janela do caminhão, sem ao menos pisar em solo gonçalense. Assim que o veículo parou, desci minha bicicleta da carroceria e pedalei com meu novo amigo. Nessa mesma rua, mês passado, eu observava meu filho andando de bicicleta quando dez bandidos armados nos mandaram correr e buscar abrigo, porque o tiroteio iria começar. Antes acolhedor, consideravelmente pacífico, o Vila Três não é mais o mesmo.

Quem mora no bairro, principalmente nas quadras próximas do Morro da Caixa D’água, já sabe: a rotina de nossas vidas foi violentamente alterada. Evitamos sair tarde do trabalho, perdemos as últimas aulas do curso e tememos qualquer diversão noturna porque é preciso estar dentro de casa cedo, de preferência antes de anoitecer.

Escutamos tiros diariamente, em qualquer horário, e há noites em que verdadeiras batalhas são travadas na região, com a população no meio. Armas automáticas são ouvidas por todos os lados, cuspindo rajadas de diversos tipos e sequências, não é barulhinho espaçado de revólver, é guerra intensa. Antes os vizinhos visitavam uns aos outros para conversar, hoje usam o telefone para saber se está tudo bem. É o mesmo que perguntar “Você foi alvejado? Alguma bala atingiu sua casa?”.

Experientes, as crianças do bairro não confundem mais tiros e fogos de artifício, sabem perfeitamente a diferença entre os dois. Há alguns meses atrás meu filho corria para meu colo quando o som angustiante começava. Hoje ele finge não ter medo, como os homens adultos. Continua assistindo desenho animado na televisão enquanto a guerra explode lá fora, apenas com uma grave tensão no rosto e ouvidos atentos. Eu aumento o som da TV, mas nada abafa o barulho de tiros a poucos metros. Geralmente mais sinceras sobre seus sentimentos, as mulheres agem diferente: durante o tiroteio, minha esposa se afasta das janelas, procura a proteção das paredes do corredor e se abaixa. De formas diferentes, o medo oprime a todos.

Ver a locadora onde aluguei filmes na adolescência fechada e escolas interrompendo suas aulas por ordem de traficantes dá a certeza de que uma época de inocência se foi. As famílias que vivem no Vila Três perderam a paz e o Estado não se pronuncia sobre a situação de guerra e medo. A Polícia faz buscas no Morro, nada encontra, vai embora e o tiroteio recomeça logo depois. Sinto saudades do Salema, ele tratava os gonçalenses com mais respeito.

Foto: Joseph Cunha

Mário Lima Jr.
Mário Lima Jr.http://mariolimajr.com
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