A história é banal, contada e recontada pelos poetas árabes mesmo em seu período de ignorância pré-Alcorão. A filha do califa, prometida em casamento para um rico – e mais velho – mercador se apaixona pelo jovem e encantador estudante. Só que desta vez o califa é um pastor evangélico do Lindo Parque; e o jovem estudante, um menino do Barro Vermelho.
Não havia quem questionasse o casamento. No alvorecer de sua adolescência, a menina Jade já chamava a atenção dos homens. Não que tivesse as formas opulentas que capturam o olhar dos predadores, mas seu sorriso doce, olhos brilhantes e a farta cabeleira encaracolada era um convite a um jardim persa. Não demorou muito e os encantos da jovem despertaram a paixão em Hassan, mercador que frequentava a igreja do califa e cujas famílias nutriam uma grande amizade. O destino da menina Jade parecia traçado – e conformado, até. Daí ela conheceu o jovem Adônis.
Adônis era um menino bonito e de grande coração, além de uma inteligência exemplar. Jade e Adônis estudavam juntos, e logo se reconheceram. Falavam sobre livros, filmes e músicas, e viam suas paixões em comum se espelharem em oito olhos. O problema da paixão é que ela é selvagem e não respeita fronteiras. Quando o cérebro não foi mais suficiente para contê-la, ela migrou para o coração.
Porém Adônis era um moço respeitador e, sabendo do compromisso de Jade, preferia não arriscar perder a cabeça. Não queria trair a confiança do califa que, apesar de homem bravo e influente, sempre o tratara muito bem. A jovem Jade também não via saída, dava como favas contadas o seu casamento com Hassan, mesmo sentindo por ele apenas carinho.
Se não fosse por um velho mestre, a história seguiria seu curso natural e chato, sem os percalços e sobressaltos que dão cor à vida. Um dia, os jovens liam poemas no jardim da escola, poemas épicos sobre dragões, batalhas e amores, observados por um de seus professores. O gesto o emocionou – logo ele, que tinha a mania de ver a poesia do Criador em cada folha que se desprendia da árvore. Mais tarde, após a aula, o mestre – que também era um grande enxerido – questionou os apaixonados. Ao ficar a par da situação proibitiva que ensombrecia aquela paixão, foi duro com os jovens: “Amor verdadeiro é difícil de achar, crianças. Abrir mão dele não é uma opção, mas ferir a todos envolvidos no processo – inclusive a si mesmos – seria apenas escrever mais um poema ruim no livro da vida”.
O fim dessa história vocês também já conhecem, tudo deu certo e Jade e Adônis vivem hoje felizes para sempre. Passaram outro dia caminhando de mãos dadas em frente ao “Ora Veja” da Zé Garoto, enquanto bebíamos, eu e o velho mestre – que além de enxerido é um beberrão incurável – e ele me contou a sua história, tendo em seus olhos o mesmo brilho que tinham os domos dos minaretes de Constantinopla ao entardecer de outono.