Diretamente do Jardim Catarina pro Brasil, o Funkero é uma das provas que a literatura salva o menino que lia o dicionário inteiro. Hoje é um dos grandes nomes do Hip Hop Brasileiro. Adquiriu cedo um volume de informações bastante superior do que os meninos de sua convivência num bairro em que o Estado mostra a face cruel da sua ausência.
O Funkero teve a sua passagem pela delinquência, viveu uma adolescência acelerada mas não é disso que eu quero falar: o assunto é o pequeno gigante do maior bairro da minha cidade. Não basta lançar o olhar adolescente de que o Funkero é doidão e todo tatuado: o olhar maior é que o Funkero, num dado momento, orgulhou a sua avó por uma vida inteira. Ela soltou a seguinte frase pra ele quando viu uma equipe de cinema chegar no Jardim Catarina em sua residência: “Eu sabia que você seria um grande homem”. Nesse momento vale a existência.
Quem sabe do Funkero, que a mãe conta com todo amor do mundo os seus hábitos de leitura? O Funkero chegou a ler com lanterna pra não incomodar a família, se dedicou profundamente aos livros clássicos, à série “Universo em Desencanto”, os mesmos livros que encantaram Tim Maia na sua fase racional. É preciso entender tudo que despertou a genialidade do Funkero, que foi incentivado em alguns momentos.
Lembro claramente quando, em 2004, o Fabio Ema me falou que eu precisava ler o que Victor estava escrevendo, Victor Freitas, reconhecido pelo seu nome artístico, Funkero. Pedi então pra que o Victor me mostrasse, mas ele não tinha nada em mãos.
O Fabio falou que tinha muita qualidade. Naquele momento, o Fabio Ema era um espécie de protetor do Victor. O Fabio sempre teve esse dom de ser aconselhador. O Victor demonstrava imenso respeito pelo Fabio. Naquele papo marcante realmente vi no Victor algo muito especial. Já havia holandeses naquele ano querendo levá-lo pro exterior pra que fizesse um trabalho lá.
O Victor, com seu jeito rebelde, queria mesmo continuar aqui nas batalhas, onde se destacava por sua incrível velocidade de pronúncia e raciocínio e foi se tornando um fenômeno do Hip Hop. Com seu amplo entendimento de quem aprendeu a falar Inglês vendo filmes, uma vez ele me disse que tinha sido aluno de Wesley Snipes. Daí é possível imaginar que ele poderia ser o que tivesse vontade de ser e ele quis ser um MC.
Sempre digo pro MC Marechal que tenho imensa admiração pelo som do Funkero em “Perfume de Mulher”. Me impressiona com a sua capacidade de fazer um rap romântico dando à música um nome de filme; aliás, esse disco é inteiro com nomes de filmes: ele é um cinéfilo, mais uma de suas qualidades admiráveis. É possível ver nas letras dele a imensa variedade de influências.
Com sua voz marcante, inconfundível, tem mais de setenta músicas na pista. Entre suas músicas e suas participações, sempre muito marcantes e generosas, nunca se furtou a fortalecer os cantores com menos visibilidade no cenário, pois ele sabe no que as pessoas podem se transformar.
Sugiro que olhem pro Funkero como o leitor voraz capaz de em “Cangaço”, que possui curiosamente 2:20, citar nos seus 220 volts vários nomes da cultura brasileira, indo da música com Chico Science à literatura de Jorge Amado e muito mais; nas entrelinhas, uma música realmente incrível, com clipe igualmente incrível.
As músicas do Funkero já foram ouvidas por milhões de pessoas, um exemplo pouco percebido pelo poder público de São Gonçalo. Estou tendo a honra de acompanhar o nascimento do seu primeiro livro, “Coca e Pólvora”, que vem sendo preparado com muito zelo. Já li os capítulos iniciais e ele me faz entender quem são intelectuais de São Gonçalo.
Conheci o Funkero na rua em 2001. Estava ao lado de uma lenda viva da cidade: Bruno Andrade, apelidado de Enzima. Quem é da rua nem precisa dizer que é da rua; a rua reconhece.
Parabéns, Funkero! O seu trabalho merece ser conhecido pelo Brasil inteiro. Eu poderia falar muito mais de você nestas linhas, mas a sua arte já tem dito muito mais do que sou capaz de narrar. Ver você ser respeitado e considerado pelos maiores do Hip Hop Brasil me emociona. Parabéns por sua soma na cena. Você me influencia, procuro te ouvir pelo menos uma vez por dia.
Texto de Rafael Massoto: produtor cultural, compositor e poeta.
Revisão de texto: Prof. Edson Amaro.