“Todo domingo há mais de 30 anos, acabou o futebol, os amigos se reúnem. […] Os caras destruíram um bairro.” Esse foi o depoimento de Wendel Jacinto da Silva, uma das vítimas que sobreviveram à Chacina do Porto Velho. O ocorrido que vitimou 4 pessoas e feriu outras 7, aconteceu ontem, domingo, 26 de maio de 2019.
Sabemos que todas as semanas, em diferentes escalas, acontecem atrocidades desse tipo no Brasil. No Rio de Janeiro, nem se fala. E é bom lembrar que em janeiro/2019, 9 mortes aconteceram em Marambaia, no mesmo estilo. Como também ocorreu em março/2018, em Maricá. Chegam, atiram, matam e ninguém vai preso. Ninguém.
Nessa rotina de violência gratuita, sem justiça, onde se intimida pelo terror, todos sofrem. Afinal, o direito de ir e vir nas ruas está se extinguindo rapidamente.
Um grupo, em especial, é o maior refém disso: os antigos moradores. Como são as próprias pessoas que foram vítimas dessa chacina bárbara e sem sentido.
Antigos moradores conheceram uma cidade bem diferente da atual
O depoimento de uma das vítimas, relatando que “há mais de 30 anos os amigos se encontram no lugar” é um fato triste em nossa história. Isso mostra que, mesmo tendo a consciência do perigo na cidade, o carinho pelas pessoas e a intimidade com os lugares que se vai há décadas, mascaram a nossa vulnerabilidade nas ruas de São Gonçalo e de todo estado do RJ.
É claro que todos sofremos com a violência diária que vivemos. Mas se nós, que temos entre 18 e 35 anos, sentimos a diferença do avanço da violência, imagine os antigos moradores.
Quem está começando uma vida tem menos compromissos e mais disposição para mudar de cidade, quiçá de estado ou de país. Enquanto quem fez uma vida aqui, vê o ambiente que escolheu viver se desintegrar. Tanto com o avanço da violência, quanto com a falta de infraestrutura que a prefeitura pouco se move para mudar.
Chacina do Porto Velho é o retrato da violência impactando a qualidade de vida
Outro desdobramento é a desvalorização dos bairros e imóveis. A impossibilidade financeira dos antigos moradores se mudarem, até mesmo dentro de São Gonçalo, é flagrante. Afinal, seus imóveis, em áreas – hoje – em risco, não têm condições de serem vendidos, alugados, tampouco habitados por seus próprios familiares, pois a vida de todos estaria a perigo.
Ainda tem o estresse diário, que nos prejudica mentalmente, e seus graves reflexos em nossos corpos.
Para completar, os serviços não entram. Correios não entregam produtos. Transportadoras precisam fazer acordos com tráfico ou milícia, sem falar no básico, como água, luz, gás e internet. Os dois últimos, em especial, controlados também pelos poderes paralelos locais, como o gatonet.
E com essa tragédia, nem ao menos o direito de se divertir, jogando bola, fazendo uma festa com a família ou, quem sabe, indo para a Igreja, encontrar os amigos, nada mais é permitido viver sem a constante tensão do medo.
Em breve, novas soluções milagrosas aparecerão. Já nós, ficaremos mais décadas sem ver a real efetividade das ações que fingem fazer para mudar São Gonçalo.
Que Deus conforte mais essas famílias. :/