Embora tenham vivido em épocas diferentes, Célia e Mário tinham mais que um “Rosa” como coincidência na vida. A educação é uma delas, mas uma santa também apareceu na vida dos dois.
Há mais ou menos 340 anos antes de ser declarada santa pelo Papa Urbano VIII, Isabel Aragão desfrutava da coroa de Portugal como rainha consorte do rei D. Dinis. Era muito popular e, ainda viva, era tida como santa para muitos. O povo a chamava de Rainha da Paz, pois conseguiu esfriar os ânimos de uma iminente guerra entre pai e filho. Dom Dinis tinha um filho bastardo chamado Afonso Sanches, seu filho e herdeiro. D. Afonso, sentindo-se ameaçado, declara abertamente a intenção de uma batalhar contra seu próprio pai. Nesse momento, a rainha Isabel intercede e apazigua a situação, impedindo o confronto conhecido como “Batalha de Alvalade“.
Era inegável o carisma de Isabel. Mas para ser santa, tem que fazer milagre. Segundo a lenda, ele veio em forma de rosas.
O rei D. Dinis já teria sido informado sobre as ações de caridade de D. Isabel e quanto isso doía no seu bolso real. A rainha não poupava quando o assunto era ajudar aos pobres. Era um costume distribuir pães e esmolas aos necessitados. Durante um desses dias, o rei resolveu interpelá-la, perguntando o que levava no colo. “São rosas, meu senhor!”. Desconfiado o rei acusou-a de estar mentindo, pois era impossível ter rosas em pleno inverno de janeiro. A rainha mostrou aos olhos espantados de todos as belas rosas que levava no colo.
Célia Pereira da Rosa nunca foi declarada santa pela igreja católica. Mas desde jovem, se preocupou com o próximo, principalmente com os mais pobres. Atuou intensamente no socorro às vítimas do Gran Circus Norte-Americano, em janeiro de 1961 e, um ano depois, liderou o segundo distrito em uma ação de auxilio aos desabrigados das enchentes que assolaram o município de São Gonçalo. Entretanto, foi na educação que a professora Célia Rosa ganhou o respeito de toda comunidade.
Célia nasceu em 3 de fevereiro de 1915, em Santa Isabel, 2º distrito de São Gonçalo. Era filha do Capitão da Guarda Nacional, Raphael Rosa, também dono da fazenda de cordeiros ou Santa Isabel. O nome da santa foi dado por Dona Isabel Alves Sodré, esposa de José Mariano, quando, no final do século XIX, o casal dono da terra cedeu uma área para construção da Estação de Ipiíba, parte da saudosa Estrada de Ferro Maricá. Muito devota de Santa Isabel, Dona Isabel pediu que fosse dado o nome da santa à estação. Depois, apareceu a empresa de ônibus Santa Isabel, a padaria Santa Isabel, armazém Santa Isabel e até a estrada de rodagem Santa Isabel.
A localidade é sede do segundo distrito de São Gonçalo, cujo nome oficial é Ipiíba. Já foi chamada de Freguesia de Cordeiros, Vila José Mariano e Vale do Ipiíba. Nos séculos XVIII e XIX, foi um grande centro comercial e produtor agrícola. De lá, saía grande parte das laranjas para exportação. Também foi chamada “terra da laranja”.
Na terra da laranja, Célia começou a sua jornada de ensinar. Fez seu curso primário na Escola Estadual Santa Isabel, com a professora Bolívia Gaetho, e lá começou a lecionar como professora substituta. Célia não parou mais. Alfabetizou os funcionários que trabalhavam na fazenda do pai, que não sabiam ler nem escrever. Vendo a vocação da filha, o pai cedeu um terreno e a presenteou com a tão sonhada escola.
O Ginásio Comercial Santa Isabel foi a primeira escola a ter curso ginasial na localidade. Começou pequena, onde atendia às crianças da comunidade. Conforme Santa Isabel crescia, a escola se desenvolvia também.
Não só a escola, mas a Igreja Nossa Senhora da Conceição. Santa Isabel passou a ser pequena para tamanha quantidade de fiéis. Em 1960, foi preciso restaurá-la, sobre a responsabilidade do Padre Theodoro Peters. Essa restauração incluía a substituição da imagem da Santa Isabel do altar por uma maior.
Por ser uma católica atuante na igreja, o então padre Theodoro presenteia Célia Rosa com a antiga imagem de Santa Isabel. Célia toma pra si a responsabilidade de zelar pela imagem da santa. Colocou-a destacada no seu colégio, de forma que todos os alunos e professores pudessem admirá-la.
Todos que passeavam pelo pátio da escola admiravam a imagem de Santa Isabel. Mas nenhum olhar era como o olhar do menino Mário Rosa.
Embora tenha rosa no nome, Mário não tinha nenhum grau de parentesco com Dona Célia. O menino possuía o dom de lecionar. Conforme o menino crescia e se qualificava, esse dom aflorava cada vez mais, sem apagar as lembranças dos recreios no colégio ginasial, sempre vigiado e amparado por Santa Isabel.
Mário Rosa nasceu em Santa Isabel e foi um dos primeiros alunos do Ginásio Comercial Santa Isabel. Dando continuidade à sua formação técnica, estudou química no Colégio Plínio Leite, em Niterói, e concluiu o ensino superior na Faculdade de Formação de Professores da UERJ, em São Gonçalo.
Mário não era mais um menino quando Célia faleceu, em 7 de dezembro de 1991. Já era um professor formado e era contratado pela rede municipal de São Gonçalo. Mas sem esquecer suas origens e lembranças, aceitou o convite de lecionar no colégio que abriu seu caminho como professor. E lá, teve a oportunidade de rever a imagem de Santa Isabel, que esteve ao seu lado durante os recreios no pátio da escola.
Antes de falecer, Célia Rosa expressou seu desejo de doar o colégio ao município para atender às crianças mais carentes. Assim foi feito. Professor Mário Rosa ganhou o maior de seus presentes, quando no ano de 2002, pelo então secretário de educação do município, o professor Hélter Barcellos, o colégio passou a funcionar pela rede municipal de ensino com o professor Mário como diretor geral. Foi o próprio Mário que sugeriu o nome: Colégio Municipal Célia Pereira da Rosa, em homenagem a tudo o que ela fez pela educação de Santa Isabel.
Há 12 anos, Mário cumpre seu papel de educador como diretor da escola. Ele também é tutor da imagem centenária de Santa Isabel, que pertenceu à antiga capela da região. Um patrimônio importantíssimo que mantém viva a história do bairro.
Rosas são sinônimos de amor e acompanham Santa Isabel antes mesmo de virar santa no século XIII, quando apareceram em forma de milagre salvando-a do rei D. Dinis de Portugal. E aqui, na cidade de São Gonçalo, os dois “rosas”, Célia e Mário, provam que essa relação de amor entre rosas e a santa continua viva.
Curiosidades:
Na fase terminal da obra da Igreja Nossa Senhora da Conceição e Santa Isabel, na década de 60, 10 minutos depois do Pe. Simeão celebrar uma missa de 7º dia de um membro da comunidade, a igreja desabou, ficando de pé somente a creche, a torre e a sacristia. Muitos atribuem ao fato do desabamento só acontecer depois de todos os fiéis estarem a salvo, fora da igreja, não havendo vítimas. Um milagre de Santa Isabel.
Em 1983, os irmãos Fernando, Virgínia e Raphael Rosa Monteiro, sobrinhos de Célia Rosa fundam o Centro Educacional Celia Rosa. Uma homenagem a tia que é patrona da escola.
Tive a oportunidade de conhecer D. Celia no ano de 1970, lá se vão 44 anos. Lecionei matemática no então Ginásio Santa Isabel que funcionava à noite nas dependências de uma escola municipal ou estadual, não lembro.
A sede própria do Ginásio Santa Isabel ainda estava em construção, em terreno que teria sido doado pela família de D.Celia. Uma construção lenta que refletia as dificuldades da empreitada de tentar levantar uma escola num lugar que, na ocasião, era considerado como um cafundó de São Gonçalo. Enquanto isso as aulas, noturnas, seguiam nas dependências da escola pública, em uma rua mal iluminada e um pouco afastada do local de construção da sede própria.Fosse nos dias atuais e naquelas condições nenhum de nós teria coragem de lecionar lá.
Das salas de aula professore e alunos ficávamos observando a chegada do último ônibus no ponto final, na praça do bairro. Ninguém tinha condução própria. Perder o ônibus significava ter que dormir na casa de D. Celia o que para ela, carinhosa, era um prazer.
As dificuldades logísticas contrastavam com o entusiasmo de D. Celia. Protetora das crianças, ela fazia o máximo para agradar aos professores convencendo-os a se manterem trabalhando naquela lonjura, acessível apenas por ônibus cheios, mal conservados e trafegando em longo trecho de estrada de terra.
A D. Celia que conheci sempre estava entusiasmada. Carinhosamente costumava apelar aos professores, numa espécie de defesa de suas crianças, buscando saber o que mais poderia ser feito por este ou aquele aluno que não estava respondendo ao desempenho necessário nas disciplinas. Só a vi entristecida no período de doença e subsequente falecimento de sua irmã que também trabalhava no colégio e cujo nome não recordo. Lembro apenas que a filha (sobrinha de D. Celia) chamava-se Ana Maria e também lecionava na escola, história se não me falha a memória.
Sem dúvida D. Celia foi uma lutadora pela manutenção e o crescimento de um núcleo educacional em Santa Isabel. Naturalmente era um projeto dela, de sua livre escolha e satisfação, mas é muito bom quando o projeto de alguém não envolve exclusivamente a sua felicidade e bem-estar, mas assegura também um benefício para o outro, no caso em pauta acho que beneficiou uma comunidade.
Infelizmente só tive a oportunidade de rever D. Celia uma vez, algum tempo após ter deixado de lecionar naquela escola. Não cheguei a lecionar na sede que foi construída. Era estudante de engenharia, enquanto estudava sustentava-me lecionando matemática e física, e naturalmente busquei melhores condições de ganho e de trabalho. Mas, cumpri o compromisso que assumi com D. Celia: só deixar a escola quando providenciasse um substituto também engajado com aquele projeto … e com as crianças. Foi o que ocorreu. Aliás, diga-se de passagem, eu também era uma criança, entre 19 e 20 anos.
Hoje, sem querer, encontrei esse site falando da D. Celia Rosa e aproveitei a oportunidade para juntar minhas homenagens à querida D. Celia que conheci..
Belo depoimento, Jorge!
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Grande abraço.