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Alcântara pode ser sensacional

Alcântara pode ser sensacional

Os gonçalenses conhecem bem os problemas de Alcântara: a sujeira sufoca os pedestres e a desordem leva ao desespero. Mas você se lembra da sensação de andar no bairro quando era criança? Se não se lembra ou conheceu São Gonçalo já adulto, leia, por favor, a continuação do artigo.

Sou gonçalense desde os 7 anos de idade e, como toda criança, via principalmente o lado bom da cidade. O adulto prefere fazer o contrário, dá atenção demais aos defeitos. Morando em São Gonçalo, maltratada pela exploração política, se não agirmos como crianças de vez em quando, enlouquecemos.

Durante a infância, quando um casamento ou aniversário se aproximava, comprar roupas para a festa era a razão que me levava ao Alcântara conduzido pela minha mãe, que trazia o dinheiro no bolso. Chegando em frente ao viaduto, no início do canal que leva ao Vila Três, me deslumbrava sem saber para onde olhar: em poucos segundos passavam por mim catadores divertidos de sucata e papelão, pregadores evangélicos hiperativos, cães abandonados mas amorosos e indivíduos exóticos carregando objetos como bonecas e ursinhos pendurados pelo corpo, personagens do drama gonçalense. O primeiro camelô da esquina oferecendo seus produtos aos berros, embora com simpatia, me fascinava. Percebia a beleza do seu esforço que visava garantir algo importante (o próprio sustento e dos seus filhos).

A enorme quantidade de carros, motos, bicicletas e ônibus, aparentemente triplicados em Alcântara, transformava o ato de atravessar a rua em desafio interessante. O perigo me excitava ao ponto do tempo parar. “De onde vem cada veículo? Para onde vão quando desaparecem?”, questionava. Hoje entendo a importância comercial do bairro, único da cidade que aparece nas placas de sinalização da Ponte Rio-Niterói.

Entrar na Rua da Feira era o auge da rica experiência. Cada camelô parecia uma pequena galáxia amistosa dentro daquele universo de marcas falsificadas, camisas, bonés e bermudas pendurados, um mar de plástico azul cobrindo as barracas (percebe-se ao alcançar determinada altura da rua). Tinha certeza de que era incapaz de olhar sequer o acervo de um único vendedor, tamanha a variedade de produtos.

Minhas pernas infantis se cansavam na metade da busca pela roupa mais barata. Alcançar o final da comprida Rua da Feira era verdadeira vitória para um menino, descoberta prazerosa de que o universo é finito. Após a última loja, apenas um buraco negro abismal, última barreira intransponível.

No passado me sentia o dono das pessoas, lojas e cores que circulam por Alcântara, da vida pulsando. O bairro se oferece por inteiro, cheio de possibilidades, não há outro mais submisso. É permitido fazer o que quiser com ele, até brincar e agir como criança.

Mário Lima Jr.
Mário Lima Jr.http://mariolimajr.com
Moro em São Gonçalo e toda semana escrevo sobre minha relação com a cidade.

Os gonçalenses conhecem bem os problemas de Alcântara: a sujeira sufoca os pedestres e a desordem leva ao desespero. Mas você se lembra da sensação de andar no bairro quando era criança? Se não se lembra ou conheceu São Gonçalo já adulto, leia, por favor, a continuação do artigo.

Sou gonçalense desde os 7 anos de idade e, como toda criança, via principalmente o lado bom da cidade. O adulto prefere fazer o contrário, dá atenção demais aos defeitos. Morando em São Gonçalo, maltratada pela exploração política, se não agirmos como crianças de vez em quando, enlouquecemos.

Durante a infância, quando um casamento ou aniversário se aproximava, comprar roupas para a festa era a razão que me levava ao Alcântara conduzido pela minha mãe, que trazia o dinheiro no bolso. Chegando em frente ao viaduto, no início do canal que leva ao Vila Três, me deslumbrava sem saber para onde olhar: em poucos segundos passavam por mim catadores divertidos de sucata e papelão, pregadores evangélicos hiperativos, cães abandonados mas amorosos e indivíduos exóticos carregando objetos como bonecas e ursinhos pendurados pelo corpo, personagens do drama gonçalense. O primeiro camelô da esquina oferecendo seus produtos aos berros, embora com simpatia, me fascinava. Percebia a beleza do seu esforço que visava garantir algo importante (o próprio sustento e dos seus filhos).

A enorme quantidade de carros, motos, bicicletas e ônibus, aparentemente triplicados em Alcântara, transformava o ato de atravessar a rua em desafio interessante. O perigo me excitava ao ponto do tempo parar. “De onde vem cada veículo? Para onde vão quando desaparecem?”, questionava. Hoje entendo a importância comercial do bairro, único da cidade que aparece nas placas de sinalização da Ponte Rio-Niterói.

Entrar na Rua da Feira era o auge da rica experiência. Cada camelô parecia uma pequena galáxia amistosa dentro daquele universo de marcas falsificadas, camisas, bonés e bermudas pendurados, um mar de plástico azul cobrindo as barracas (percebe-se ao alcançar determinada altura da rua). Tinha certeza de que era incapaz de olhar sequer o acervo de um único vendedor, tamanha a variedade de produtos.

Minhas pernas infantis se cansavam na metade da busca pela roupa mais barata. Alcançar o final da comprida Rua da Feira era verdadeira vitória para um menino, descoberta prazerosa de que o universo é finito. Após a última loja, apenas um buraco negro abismal, última barreira intransponível.

No passado me sentia o dono das pessoas, lojas e cores que circulam por Alcântara, da vida pulsando. O bairro se oferece por inteiro, cheio de possibilidades, não há outro mais submisso. É permitido fazer o que quiser com ele, até brincar e agir como criança.

Mário Lima Jr.
Mário Lima Jr.http://mariolimajr.com
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